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H.P. Lovecraft: por que ler?

“O mundo é deveras cômico, mas a piada está na raça humana.” H.P. Lovecraft

Por que ler Lovecraft? A minha resposta resumida é: para experimentar o horror cósmico e transcendente. A resposta um pouco mais longa vou desenvolver com ares de opinião mesmo, logo abaixo. Sem pretensões de análise literária, são as opiniões de um fã para você, caso conheça pouco sobre o grande escritor americano, leia e avalie se vale a pena conhecer o terror cósmico.

Cthulhu R'lyeh wgah'nagl fhtagn!

chamado de cthulhu

A primeira coisa me vem a cabeça comentar sobre a obra de Lovecraft são as lendas urbanas acerca do terrível Necronomicon. Meu primeiro contato com o desgraçado livro foi no clássico filme de terror do Sam Raimi, Evil Dead (ou A Morte do Demônio). Pra quem não lembra ou não tinha nascido ainda (muito embora ele fora ressuscitado em formato de série ano passado), os problemas demoníacos começam quando um grupo de jovens resolvem passar um final de semana numa cabana no meio do nada e encontram um livro cuja capa é feita de pele humana. O Necronomicon. O filme fez muito sucesso e a vida sem internet nos anos 80/90 proliferava lendas urbanas das mais inverossímeis (ok, com a internet também...). Mas como o nosso acesso à informação era ou na biblioteca lendo Barça ou escutando histórias de amigos (que escutou algo de um outro amigo), fato era que o Necronomicon era algo real. Realmente existia em alguma bliblioteca secreta do Vaticano. Foi meio que um choque descobrir que o Necronomicon era algo inventado.

E talvez por causa disso que O Chamado de Cthulhu seja a obra mais famosa. Nela, obviamente, aparece o Antigo deus Cthulhu e o malfadado Necronomicon. Este livro demoníaco, escrito pelo árabe louco Abdul Alhazred, contém segredos de horrores indizíveis. E é nesse ponto que Lovecraft começou a ganhar minha atenção e devoção. Alhazred e Necronomicon são fictícios e são eles que dão coesão à cosmologia criada por Lovecraft. Das dezenas de contos do escritor, vira e mexe ou o Necromicon tem alguma relação com a história de terror que os personagens vivem ou é lembrado pelo narrador. Cthulhu e outras deidades também são referenciadas com boa frequência. Uma vez que você entra no estranho mundo de Lovecraft, você já começa a se sentir em casa. Muitas histórias não tem relação uma com a outra, mas elementos se repetem. Como Arkham e a Universidade do Miskatonic.

"A coisa mais misericordiosa do mundo, creio eu, é a incapacidade da mente humana em correlacionar todo o seu conteúdo. Vivemos numa plácida ilha de ignorância em meio a negros mares de infinito, e não está escrito pela Providência que devemos viajar longe. As ciências, cada uma progredindo em sua própria direção, têm até agora nos causado pouco dano; mas um dia a junção do conhecimento dissociado abrirá visões tão terríveis da realidade e de nossa apavorante situação nela, que provavelmente ficaremos loucos por causa dessa revelação ou fugiremos dessa luz mortal rumo à paz e à segurança de uma nova Idade das Trevas."'

O início de "Chamado de Cthulhu é uma das coisas mais fodas que eu conheço.

Ah, Nova Inglaterra! Eu te adoro

Lovecraft localizou suas histórias onde ele conhecia bem. Muitas histórias se passam em Providence na Rhode Island. Uma porção dos Estados Unidos conhecida como Nova Inglaterra. Ao passo que os contos foram escritos no início do século XIX, temos um ticket gratuito para mergulhar num lugar que nos é desconhecido. Aliado ao conhecimento de história e arte de Lovecraft, ele sempre nos rende descrições espetaculares de um povo e local bem diferentes que nós brasileiros estamos acostumados. E as histórias funcionam por causa desse cenário. Com bastante frequência ele escapa do centro urbano e desbrava as fazendas com matas virgens e pequenas localidades cheias de superstições.

Além disso, o leitor de Lovecraft vai conhecer como ninguém outra coisa inventada por Lovecraft: Arkham. Não é o hospício do Batman, Arkham é onde está a também ficcional Universidade do Miskatonic. Que por sua vez, possui uma biblioteca secreta onde se encontra nada menos que o abominável Necronomicon. Entre outros livros que não deveriam ser lidos.

Essa é uma das belezas da obra de Lovecraft. Quanto mais você lê, mais você conhece a Nova Inglaterra, Providence e Arkham. Quando seu olho dá uma escapada e avista necronomicon no corpo do texto, você já começa a tremer porque já sabe uma merda muito grande vai acontecer.

Garantia de terror total ou seu dinheiro de volta

Existe uma infinidade de bons livros e bons autores para ler. Por isso normalmente vamos procurar por experiências que sejam únicas. E será que Lovecraft merece o nosso tempo? Bom, eu deixei claro que sou fã incondicional dele e tenho minhas razões. Lovecraft tem um estilo de escrita e narrativa completamente apaixonantes. Ele narra com paixão e não poupa adjetivos para demonstrar aquilo que pretende. Suas histórias são sobre o terror e a insanidade. Você vai cansar de ler terrível, abominável, nauseante, cósmico, miasmático, pútrido e outros adjetivos selecionados para descrever o que seus pobres personagens passam. A sua articulação de palavras, ideias e descrições são pujantes e faz você compartilhar os horrores que habitam no seu mundo.

Na parte de estrutura de suas histórias, Lovecraft também além de não decepcionar sempre lhe fornece uma satisfação plena. A maior parte de seus contos são extremamente bem articulados em seu enredo. Ao pegar o ritmo de suas histórias, você vai se morder para chegar ao final, porque no final sempre tem uma revelação do que estava por trás de toda narração terrível.

Outra peculiaridade bastante famosa é a capacidade criativa de Lovecraft. Como já disse, ele conhece sobre artes, arquitetura, costumes, literatura. E bem além de nos render descrições de tirar o fôlego de cidades "normais" (As Sombras de Insmouth, por exemplo, descreve a cidade que todos evitam visitar de uma forma soberba), há as cidades "ciclópicas" e seus monstros que são muito difíceis de se visualizar mesmo com sua capacidade descritiva aguçada, tamanho o horror que elas são. Nas Montanhas da Loucura, grande clássico do autor, estas duas características se tornam evidentes. A cidade ciclópica e seus habitantes medonhos chegam a ser impossíveis de se criar uma visualização. Eu mesmo fui pro Google Images achar artes e interpretações das cidades do Antigos e os monstros que as habitam.

nas montanhas da loucura

Que-porra-é-essa???

Lovecraft, além de tudo, conhece bastante sobre biologia e física. Em seus contos ele sempre usa a ciência de ponta da época como recurso narrativo. Com muita frequência seus personagens tentam se livrar das maldições utilizando conhecimentos de física e misturas químicas. Eu acho essa questão bastante interessante, pois estamos acostumados (em filmes ou romances) a ver os personagens se escaparem dos horrores se fundamentando no sobrenatural. Seja tirando o corpo da Samara do poço pra dar a ela descanso, seja completando a ultima vontade do fantasma para ele parar de encher a paciência dos vivos. As histórias de Lovecraft, de fato, são sobrenaturais. Ou melhor, transcendentais. Pois geralmente a "coisa" vem de algum recesso escuro deste próprio Universo ou de uma dimensão paralela com outras leis da física. Mas elas fazem parte dessa realidade. Uma realidade obscura e terrível.

Resumo: gosta de mistério, terror ou ficção científica? Então não tem erro.

Influência

É amável descobrir que Lovecraft não se achava nem um pouco brilhante e idolatrava aqueles que vieram antes dele. O autor sempre deixou bem claro quem eram os escritores que ele amava e que mereciam ser lidos e admirados. Algernon Blackwood, Arthur Machen ele cita como mestres do terror. Mas Allan Poe é a grande inspiração para Lovecraft (tanto que há um conto sobre uma determinada casa que ele narra que Allan Poe passava na frente ao ir visitar a namorada). Mas algo que Lovecraft não chegou a conhecer foi como sua própria literatura influenciou a arte. Infelizmente ele morreu sem ter recebido o crédito e carinho que merecia. Foi por causa do esforço de seus amigos que suas obras aos poucos se tornaram famosas e referências nas histórias de terror. E algo que eu sempre pensei ao ver filmes de mistério e terror foi: por que raios as obras do Lovecraft parecem esquecidas pelo showbizz? Seus contos se levados ao cinema renderiam filmes clássicos se na mão de bons diretores e roteiristas. Mas parece que Lovecraft está se reerguendo e o poder de suas histórias parecem que vão receber o tratamento que merecem. O jogo de Playstation, Bloodborne, fez um sucesso estrondoso. Muito por causa de sua jogabilidade ímpar, mas criou um legião de fãs por causa do seu enredo complexo e assustador. E é completamente inspirado na obra de Lovecraft.

bloodborne lovecraft

Bloodborne da From Software. Pesadelo, insanidade e deuses antigos. Não apenas inspiração, uma homenagem executada com maestria (vale a pena jogar, muito embora você vai morrer algumas vezes...)

Guilhermo del Toro (Labirinto do Fauno, HellBoy, Pafic Rim) filmaria Nas Montanhas da Loucura. Infelizmente o projeto foi engavetado por questões que dá pra se revoltar. O estúdio queria uma classificação PEG 12 (efeito Disney...). del Toro ganhou meu respeito quando não aceitou transferir a obra para um filme que não fosse 18+. Além disso, o próprio diretor disse que Prometheus (prequel de Alien) tinha um enredo muito parecido (cientistas encontram uma "cidade" alienígena e estes não são nem um pouco dóceis). Uma pena, algo que me daria muito prazer seria assistir à sua visão de um Shogoth. Talvez o final de Nas Montanhas da Loucura pudesse ser um prequel de Pacific Rim (entendedores entenderão. Tekeli-li! Tekeli-li!).

Mas boas notícias aos fãs de Lovecraft chegaram. Chamado de Cthulhu e Nas montanhas da loucura serão temas de lançamentos futuros de videogame. Além disso, está em desenvolvimento série de TV com seus contos. Até onde eu li, eles filmarão vários contos entre ele Chamado de Cthulhu, Horror em Dunwich e o Caso de Charles Dexter Ward. Não vejo a hora de assitir.

Por onde começar?

Se meus argumentos foram suficientes para lhe interessar a conhecer Lovecraft, vou citar alguns contos que eu gostei muito. Sabe quando você lê algo e dá vontade de apagar da memória, só pra ter a experiência mais uma vez? Estes se enquadram nesse quesito:

Chamado de Cthulhu: todo mundo já ouviu falar, não leu e não conseguiu pronunciar o nome dele. Faça o favor a si mesmo para conhecer o que é o pesadelo cósmico.

O Caso de Charles Dexter Ward: um romance curto ou conto longo. Tanto faz. O negócio é medonho. O final é de cair o queixo.

A Cor que Veio do Espaço: era melhor que ela tivesse ficado no espaço, que o diga o pobre senhor Gardner. A Cor é o conto preferido de Lovecraft e ao ler entendemos parte da razão. Talvez tão interessante quanto ler a Cor é procurar em foruns e blogs que diabos aconteceu na charneca crestada. É nessa análise que a gente percebe a criatividade ímpar de Lovecraft.

Os sonhos da Casa Assombrada: geralmente as pessoas morrem de formas abomináveis nos contos de Lovecraft, e essa é uma libertação. Pois, antes disso, sua psique é maltratada até as raias da loucura. Um tema frequente são os pesadelos. Imagine. Você entra em contato com forças diabólicas, quando consegue dormir tem pesadelos indizíveis. No outro dia de manhã tem que levantar pra trabalhar. Eu não consigo pensar em algo mais aterrorizante que isso... E os sonhos na casa mal assombrada são dos piores tipos. Daí quando você acha que tudo acabou e descobre o que estava por trás daquela desgraçada casa, suas esperanças com a humanidade definham.

Um Sussurro nas Trevas: Além de ser escrito magistralmente (coisas medonhas além da imaginação ocorrem numa fazendo longe de tudo), a resolução dessa história me deixou boquiaberto e fico pensando até hoje. Depois de ler, procure pesquisar sobre interface neural ou assista ao episódio San Junipero do Black Mirror. E caia de bunda no chão quando se tocar que ele escreveu isso no início do século XX.

A Sombra sobre Insmouth: É um dos meus preferidos. Insmouth é outra cidade fictícia que guarda segredos terríveis. Aqui Lovecraft literalmente passeia numa cidade desolada com gente esquisita. É um conto agradável de ler até certa parte. Até começar a se tornar claustrofóbico e tenso.

Se você é fluente em inglês, ou pelo menos acompanha de boa uma narração com o texto na frente, o site Lovecraft Stories possui audiobooks dos contos (não todos). É narrado com uma voz forte que vai ajudar muito entrar no clima. Aproveite.

"Aquilo que não está morto pode jazer eternamente e com eras estranhas, até a morte pode morrer."

Seja por causa de entidades cósmicas antigas, seja por causa da curiosidade humana em descobrir coisas que deveriam ser esquecidas, o terror de Lovecraft é pujante, criativo e obrigatório. Suas histórias são envolventes e seus personagens são sempre pessoa comuns como nós mesmos. Sua literatura é enormemente influente pois ele foi o que melhor demonstrou que o medo é a emoção mais forte e antiga. E ele próprio define o que é o horror:

"A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido."

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