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“Como” são histórias (ao invés de “o que” é uma história)

Primeiro post do Blog específico sobre Narrativa (ou Storytelling). A arte de contar histórias é o assunto mais magnífico e complexo que eu conheço. Se relaciona muito com a construção do conhecimento humano; às vezes define o que é ser humano. E para iniciar uma discussão com esse assunto fantástico, vamos definir como é uma história.

como são histórias

O que é uma história? Normalmente, esse é o ponto de partida para estudar Storytelling. Contudo, eu sempre parto do princípio que devemos estudar algo para tornamo-nos melhores no ofício. O que é uma história é descritivo. Talvez me ajude a ser um contador de histórias melhor. Mas se começarmos por: Como é uma história? Ah! Agora sim eu vejo um enfoque que pode me ajudar muito no meu ofício. Uma vez que saiba como histórias são e pra que servem, então eu posso usar isso quando for criar uma. Vamos lá então.

Histórias são sobre coisas que importam.

Primeiro: histórias são sobre coisas que importam. Narrar uma história de alguém que acordou cedo, comprou pão, comeu e fim não serve. Não é por causa daquela velha questão “não tem conflito, história tem que ter um conflito”. O tal do conflito é sempre usado como a base de tudo no storytelling. Eu não acredito nisso. Conflito é consequência, não causa da narrativa, conforme a forma que eu enxergo. O Hitchock tem uma frase que resume: o que é o drama senão a vida com as partes chatas cortadas?”. Eu acho de uma beleza incrível esse ensinamento. Histórias são assim: sobre coisas que importam senão a gente não presta a atenção. Conflito surge quando alguém se importa com algo. A vida arruma as formas mais medonhas ou engraçadas para arruinar as coisas com o qual nos importamos. Por isso, não baseie uma história em conflito. Baseie sua história com algo que importa. O conflito então surge naturalmente.

Não morrer assassinada num banheiro de motel de beira de estrada importa?

O que está em jogo? Nada menos que vida ou morte

Nas Mil e Uma Noites, o melhor exemplo que eu conheço pra conhecer sobre Storytelling e saber como é uma história, a vida de Sheherazade está por um fio. O tempo todo. Se ela falhar em contar uma boa história ao Sultão, ela morre. Muitas mulheres vão continuar morrendo até o seu reino cair num caos e ser destruído. Histórias são guiadas por seus personagens. Bom, esse é outro axioma que não ajuda muito. Eu prefiro entender que uma história é guiada pelos desejos, a busca do personagem. Só assim podemos nos importar com o mesmo, e acabar torcendo que dê tudo certo.

Mas também não precisa ser uma morte literal. A morte pode ser metafórica. Os filmes sobre adolescentes. A garoto mais zoado do colégio é apaixonado pela garota que tem mais seguidores no Instagram. Se ele tomar um fora dela nas redes sociais, não é uma morte real, mas é como ele vai se sentir. A razão porque massacrar um personagem, ver sua vida em jogo é justamente para dar a audiência algo que ela procura: satisfação emocional.

Melhor deixar um cliffhanger aí pra poder ver mais um dia nascer...

Histórias servem para nos sentirmos bem

Uma vez que temos um personagem e que há algo que lhe importe (e é sempre algo que vai nos importar também), e que nada menos que a vida ou a morte está em jogo, definimos novamente conflito. O “algo está em jogo” implica que algo está dando errado, não é? E nós vamos continuar a assistir ao filme ou ler o livro porque queremos ver como ele resolve essa questão. Testemunhar alguém superando os obstáculos preenchem aquelas necessidades básicas da mente humana, da comunicação. Nós torcemos que tudo dê certo, estamos emocionalmente envolvidos. Em outras palavras queremos nos sentir bem. Quantas vezes não lemos algo ou assistimos uma cena que uma pessoa tem um conflito que começa a se parecer com o nosso e resolve de determinada forma, e nos inspiramos? História tem mensagens, ensinam. E ao aprender algo, o sentimento de satisfação e prazer é pleno. Ver o vilão se dar mal dá prazer. Ver o mocinho ou mocinha alcançar o objetivo nos enche de realização. Uma das forças mais poderosas que nos guiam é o senso de justiça. Lembre disso.

Eu realmente teria sentido satisfação plena se isso tivesse acontecido...

Atenção é prendida por questões

Toda história é articulada assim. Esse é um dos blocos de construção da narrativa. Como sugerir significado, como enredar a audiência a cada segundo do nosso filme, a cada linha do nosso romance? Criando perguntas que devem ser respondidas. É da natureza da psique humana captar informações e categorizar. Nós precisamos de respostas para as perguntas que surgem. Por isso que ficamos fulos da vida quando um filme chega ao final e deixa coisa em aberto. Eu digo sobre a intenção geral da história, porque deixar coisas em aberto para a própria pessoa preencher conforme sua experiencia é algo muito legal.

Mas como se faz isso? Pergunte: E se...? É o que faz o narrador ao criar sua história. E se o personagem fizesse tal coisa diferente? E se acontecesse um evento diferente? Assim nós criamos histórias, através de perguntas, e estas perguntas são embutidas no nosso texto, para a audiência se perguntar. Nós, uma vez sabendo que a audiência não está passiva, ela está empolgada, procurando respostas, fazendo teorias e tentando sacar se acertou, nós usamos engenharia reversa. Ao criar e desenvolver histórias, antecipamos que perguntas a audiência vai estar se fazendo. Era o que o Jeffrey Kateznberg fazia de melhor quando era o chefe da animação Disney.

Will meu filho! Onde diabos você se meteu?

Atraso de resposta

Isso é um grande COMO histórias são feitas e tem a ver diretamente com o que acabei de falar sobre as questões narrativas. Você vai prender a atenção da audiência e nunca mais perdê-la se você atrasar a resposta principal da história (o que está em jogo). Dessa forma, você vai fazer elas arrancarem os cabelos para saber o que vem adiante. Esse é um dos maiores segredos. Fornecer o que a audiência espera, mas da forma que eles não esperam. Mas como? Através da engenharia reversa! O narrador é um ventriloquista e um manipulador de percepção. Faça a audiência esperar por algo (para resolver uma questão) e resolva de uma forma distinta. Você tem o poder de controlar a história e a percepção da audiência.

E se passaram 3.000 anos, mais de 9 horas de tela, 3 filmes, tour por toda Terra Média pra acabar como começou. Temos um candidato a campeão no atraso de resposta.

Ventriloquista

É um dos conceitos fundamentais que eu trabalho. O narrador é um ventriloquista. Ele fala o que quer através de seus personagens. Uma vez que uma história é sobre algo que importa, isso vai ser revelado a partir de um ponto de vista. A partir do enredo ou de um personagem. E quem está por trás de tudo é o narrador, seja ele o diretor ou o escritor. Como mencionei, histórias servem para nos sentirmos bem. Para aprender. A implicação disso é que uma história tem uma mensagem. Essa mensagem não vai ser passada pelo diretor ou escritor diretamente. Ele vai usar os personagens para passar alguma coisa para nós.

"As coisas que você possui acabam por possuir você." Quem disse isso? Tyler ou Palahniuk?

Ao meu ver, essas são as características fundamentais de como é uma história. Pense sobre elas. Lembre dos filmes e livros que mais tocou você. Estas características não estão presentes na sua história favorita? Então. Que tal usar isso para escrever sua próxima história?

Para lembrar

* Não tente estudar o que é uma história, mas COMO é uma história.

* Histórias são sobre coisas que importam, sobre algo que está em jogo (alguém pode morrer por causa disso!). Escutamos história porque queremos satisfação emocional.

* A atenção da audiência ou leitor é prendida através de questões narrativas.

* A resposta da questão central deve ser arrastada ao máximo, e com habilidade.

* Habilidade é ser um vetriloquista. Passe uma mensagem, uma moral, sem ninguém perceber que essa é a intenção por trás de tudo.


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