Pra onde aponto minha câmera? (Composição I)
Quando se fala de linguagem cinematográfica, normalmente, a primeira coisa que se trata é o uso de planos (plano aberto, plano médio, etc). Em segundo lugar, ao meu ver, o uso de regras (regra dos terços, espiral de Fibonacci, mais etc...). Obviamente acredito que são temas que se deve dominar. Contudo, eu me pergunto: este seria o melhor enfoque para começar a dominar a linguagem cinematográfica? Ou seja, ser capaz de manipular as imagens de forma plástica para ajudar no que eu (e muitos) consideram o objetivo fundamental do cinema ou fotografia: contar uma história.
Eu acredito que há um enfoque mais adequado. Ao invés de falarmos de tipos de planos ou regras de ouro, vamos começar analisando de onde que vem essas regras bem estabelecidas. Vamos entrar no reino da composição de imagens, seguindo um enfoque que eu acho muito mais eficiente para te ajudar a ser um filmmaker melhor: vamos partir dos conhecimentos do Desing e Gestalt.
Pra onde aponto minha câmera?
Pessoalmente uma das coisas que mais me incomodou pra dirigir um filme, seja documentário, ficção, filme empresarial ou um casamento, era decidir para onde eu apontava a minha câmera. É uma forma mais prática de dizer “como vou compor essa imagem?”. Há diversas formas de se resolver isso. Você pode assistir a diversos filmes e perceber como o diretor resolveu seus takes para determinada cena. Talvez seja a forma mais poderosa de conhecer sobre a linguagem cinematográfica e aos poucos repetir, testar e dominar. Outra forma é analisar os blocos de construção da linguagem fílmica: os planos. Mas eu sempre achei isso um pouco raso. Decorar os tipos de plano e seus usos comuns, creio eu, não ajuda muito a ser um filmmaker melhor. Eu sempre ficava em dúvida se o que eu estava fazendo era certo. Se alguém ia ver meu filme e apontar erros, coisas que estavam fora do lugar. Eu tive de procurar uma forma de entender como se define as composições. Os porquês. Então eu criei um mindset, uma forma de entender a composição. Isso me ajudou muito, pois esse minset realmente me ajuda a ser um fimmaker melhor. Sobre isto vou discutir aqui.
Ao planejar uma cena, ou filmando um evento ao vivo, eu faço essa pergunta: Pra onde aponto minha câmera? Parece óbvio, a gente que trabalha com fotografia ou audiovisual faz isso de forma inconsciente. Mas, tornar essa pergunta consciente é a chave do negócio, pois nos faz avaliar o que estamos fazendo. E para responder essa pergunta, eu vou cavar mais fundo do que simplesmente usar regras já bem conhecidas.
Pra onde aponto minha câmera? Essa pergunta nos obriga a refletir sobre:
* O que eu estou filmando?
* Porque estou filmando?
* Quem vai assistir o que estou filmando?
* Como que faço para a pessoa que for assistir, entenda claramente o que eu estou filmando.
Toda e qualquer imagem é decomposta em duas partes essenciais:
Conteúdo é o mais óbvio. É o que você deseja registrar. Estrutura geralmente é intuitiva ou acidental. É como os elementos da imagem estão organizados. Você já leu e teve conversas de como estruturar uma imagem (regra dos terços é o exemplo clássico). Mas agora que você sabe que sua imagem tem estas duas caraterísticas básicas, você pode começar a controlar melhor.
Após essa análise a qual você supostamente não tem as ferramentas para analisar, agora eu vou instrumentalizá-lo.
O que diretores de filmes e fotógrafos fazem é contar histórias através de imagens. Passar uma mensagem. Na língua escrita temos as palavras, verbos, adjetivos. Como a base da nossa comunicação é por palavras, é bem óbvio a forma de passar uma mensagem e estabelecer um significado. Pessoas estão felizes, tristes, amedrontadas, esperançosas? Usamos adjetivos que facilmente correspondem a estes significados. Para nós que trabalhamos com imagens, temos de ser alfabetizados numa outra linguagem. A imagética. Por isso eu uso uma analogia para facilitar essa compreensão. Quais são os verbos e adjetivos de uma imagem? Se uma fotografia fosse um texto, como seria? Vamos então construindo nosso mindset aos poucos:
O ponto 3 se refere à metáfora que utilizei. O escritor dirige a atenção do leitor com informações selecionadas que ele quer passar (conteúdo), através de um estilo de escrita e narrativa - eu lírico- que é organizada pelas regras de ortografia e gramática (estrutura). Dessa forma ele se certifica que o leitor vai compreender a mensagem de determinado trecho. E o que vamos iniciar agora é compreender que gramática que existe quando montamos imagens.
Os dois maiores inimigos do design: Tédio e confusão
Uma área do conhecimento humano que vai nos ajudar a compreender a composição é o Design. Fique claro que eu próprio não sou Designer e meu intuito não é dar aula sobre. Vou apenas roubar alguns conceitos para nos ajudar a sermos filmmakers melhores.
Vamos ao fundamental. O bom design possui dois inimigos mortais: tédio e confusão. São opostos. Nós precisamos de claridade para se entender nossa mensagem. Por exemplo. Leia (tente) este texto:
Euextavacentadonabeiradumriaxoquandoderepentecaiummeteorodomelladoedaiuummonstroquemedissequeiadeztruiromundoseeunaodesçepizzadeachovapraeleeudissequenaãotinhamasquedavapraeleumiôiôdaíelegostouefoiemboraefuipracasacomertortademaçãporquehjésextafeira.
Compreender essa tragédia linguística é complicado. Mais complicado ainda é, depois de conseguir entender, perceber que seu conteúdo é completamente sem nexo e sem graça. As regras de gramática foram ignoradas, a mensagem é completamente sem lógica e chata. Temos, num exemplo só, confusão e tédio (mesmo que geralmente são opostos). É assim que eu vejo certas imagens. Desorganizadas, confusas, tediosas, sem graça e sem mensagem.
Parece pouco, mas ter ciência deste ponto vai evitar tragédias em nossas imagens. Basicamente, até agora, estamos cientes (ou deveremos estar) que nossas imagens não podem ser tediosas. Ou seja, que seu conteúdo seja pobre, sem significado, sem uma mensagem. As imagens também não devem ser confusas. Ou seja, ter elementos que compitam pela nossa atenção. Uma bela forma de cometer esse pecado é passar mais de uma mensagem num mesmo quadro.
Top Secret, 1984. Cena clássica dos “pombos” cagando em plano de fundo.
Este é um exemplo de “deep staging”, ação em plano de fundo. A ação principal (mensagem) é o beijo, até os pombos entrarem em quadro e roubarem nossa atenção. A competição por atenção faz parte da piada. Contudo, se mais elementos, cômicos ou não entrassem em cena, a briga por atenção geraria confusão: não se saberia para onde olhar. Fique atento se suas imagens não transmitem esse tipo de confusão.
Chegamos ao final da postagem e é hora de listar o que foi aprendido para lembrar.
Pontos para lembrar
* ao filmar, pense: para onde aponto minha câmera? O que eu quero e preciso com esse quadro?
* Toda imagem possui conteúdo e estrutura
* Toda imagem tem um significado. Uma mensagem. O ideal é que seja uma só.
* Tédio e confusão são inimigos mortais do bom design
No próximo post vamos aprender sobre os elementos e princípios do Design. Abraço.